ATA DA QUADRAGÉSIMA SEXTA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA, EM 01.12.1998.

 


Ao primeiro dia do mês de dezembro do ano de mil novecentos e noventa e oito reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às quinze horas e trinta minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Senhor Júlio Zanotta Vieira, nos termos do Projeto de Lei do Legislativo nº 19/98 (Processo nº 658/98), de autoria do Vereador Adeli Sell. Compuseram a MESA: o Vereador Isaac Ainhorn, 2º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, na presidência dos trabalhos; a Senhora Márcia Alves, representante do Senhor Prefeito Municipal e da Secretaria Municipal de Cultura; o Senhor Roque Jacob, representante do Conselho Estadual de Cultura; o Irmão Avelino Madalozzo, representante da Pontifícia Universidade Católica - PUC; a Senhora Tânia Franco Carvalhal, Coordenadora do sub-escritório da UNESCO no Rio Grande do Sul; o Senhor Júlio Zanotta Vieira, Homenageado; o Vereador Adeli Sell, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem à execução do Hino Nacional e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Adeli Sell, em nome das Bancadas do PT, PTB, PDT, PPB, PMDB, PSB, PFL e PPS, teceu considerações a respeito da trajetória pessoal e profissional do Senhor Júlio Zanotta Vieira, destacando a importância do trabalho realizado pelo Homenageado para o desenvolvimento de atividades ligadas à divulgação e produção cultural no Estado. O Vereador Antonio Hohlfeldt, em nome da Bancada do PSDB, afirmou a justeza da homenagem ora prestada por este Legislativo ao Senhor Júlio Zanotta Vieira, historiando acontecimentos marcantes na vida do Homenageado, relacionados com a sua militância junto às principais manifestações culturais de Porto Alegre, especialmente na área do teatro. A seguir, o Senhor Presidete registrou as presenças das Senhoras Maria Teresa Zanotta, Patrícia Vieira, Maira Vieira e Júlia Vieira, respectivamente, mãe, esposa e filhas do Homenageado; do Senhor Júlio La Porta. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou o Vereador Adeli Sell e a Senhora Márcia Alves a procederem à entrega do Diploma e da Medalha referentes ao Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Senhor Júlio Zanotta Vieira e, após, concedeu a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Título recebido. Em prosseguimento, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem à execução do Hino Rio-Grandense, agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezesseis horas e onze minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Quadragésima Sétima Sessão Solene, a ser realizada às dezoito horas. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Isaac Ainhorn e secretariados pelo Vereador Adeli Sell, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Adeli Sell, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.

 


O SR. PRESIDENTE (Isaac Ainhorn): Estão abertos os trabalhos da 46ª Sessão Solene, destinada à entrega do título honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Sr. Júlio Zanotta Vieira, por iniciativa do Ver. Adeli Sell, nos termos do PLL nº 19/98.

Convidamos, para fazer parte da Mesa, a Sr.ª Márcia Alves, representante do Sr. Prefeito Municipal e da Secretaria Municipal de Cultura; o nosso homenageado, Sr. Júlio Zanotta Vieira; o Sr. Roque Jacob, representante do Conselho Estadual de Cultura; o Irmão Avelino Madalozzo, representante da Pontifícia Universidade Católica; a Sr.ª Tânia Franco Carvalhal, Coordenadora do Sub-escritório da UNESCO no Rio Grande do Sul. Convido a todos para, em pé, ouvirmos a execução do Hino Nacional Brasileiro.

(É executado o Hino Nacional.)

 

O SR. PRESIDENTE: Damos continuidade a esta Sessão Solene que outorga o título de Cidadão de Porto Alegre ao Sr. Júlio Zanotta Vieira, que, nascido em Pelotas, fez uma longa caminhada. Em 1964 veio para Porto Alegre para estudar, numa referência educacional do Rio Grande do Sul e do Brasil, iniciou o 2º Grau no Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Portanto, integra-se, o nosso homenageado, a esse conjunto de figuras oriundas de uma escola cuja referência foi a condição de escola-padrão do Estado. Suas incursões vão do teatro ao setor livreiro, onde, em 1994, foi eleito Presidente da Câmara Rio-grandense do Livro. Esta Casa sente-se orgulhosa, e expressa aqui o sentimento da Mesa Diretora, em realizar esta Sessão Solene de outorga do título de Cidadão de Porto Alegre ao Dr. Júlio Zanotta Vieira.

O Ver. Adeli Sell, autor do Projeto de Lei, que, após ser sancionado pelo Sr. Prefeito Municipal, transformou-se em lei, está com a palavra, para falar em nome das bancadas do PT, do PTB, do PDT, do PPB, do PMDB, do PSB, do PFL e do PPS.

 

O SR. ADELI SELL: (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) É uma honra muito grande, para mim, ter proposto este Projeto de Lei que, sancionado pelo Prefeito, dá o título de Cidadão de Porto Alegre ao Sr. Júlio Zanotta Vieira e falar em nome de todas as Bancadas já nominadas pelo Presidente desta Sessão e poder dizer algumas palavras sobre o nosso homenageado.

Creio que o melhor que podemos fazer, Ver. Antonio Hohlfeldt, porque já foi dito um pouco da trajetória do nosso homenageado na sua apresentação - e as pessoas que estão aqui com certeza sabem muito bem, pela convivência e pela história do nosso novo Cidadão de Porto Alegre, quem é Júlio Zanotta Vieira - é aproveitar este momento para falar sobre um homem de cultura, das letras, dos livros, do teatro, enfim, um agitador cultural, um homem que pensa a cultura do Estado, que pensa a cultura do nosso tempo. E aqui estão pessoas, alguns deles livreiros, que sabem o quanto é difícil nos dias de hoje, meu caro Roque Jacob, num momento de crise, quando o poder aquisitivo é escasso, nós nos dedicarmos a este ramo, umas das atividades do nosso homenageado.

Tenho certeza de que a população gostaria de ver muito mais pessoas empenhadas neste processo, isto é, muito mais livrarias, muito mais “sebos”, porque ali encontramos, muitas vezes, as raridades, como certa vez encontrei, junto ao Júlio, um livro que eu procurava, do meu preferido Edgar Allan Poe, no idioma inglês. Tenho certeza de que muitas pessoas, não apenas os letrados, os estudantes, os estudiosos, mas a mulher, o homem comum da rua, o jovem, o idoso, buscam a cultura e o prazer da leitura.

Por isso é que nós homenageamos não apenas a figura e a trajetória de Júlio Zanotta Vieira, mas a trajetória daqueles que, em Porto Alegre, são, de fato, cidadãos da cidade, que defendem a cultura e, com dificuldades, tentam diminuir o espaço entre o saber, a cultura, o livro e o cidadão comum, que buscam ali o seu prazer e o saber cultural. Por isso, nesta tarde, com esta homenagem, nós estamos homenageando muitas outras pessoas que estão hoje simbolizadas na sua figura, meu caro Júlio.

Nós precisamos, exatamente nesses momentos de crise, neste fim de século, no início de um novo milênio, marcar, clara e objetivamente, na Câmara Municipal de Porto Alegre, que é preciso que existam pessoas como o senhor, com a sua determinação, com a sua trajetória. Aqui estão pessoas para homenageá-lo, que, tenho certeza, pela sua simples presença, são mais importantes, nesta homenagem, do que o meu discurso e o meu Projeto: são alguns dos livreiros que passaram, nesses últimos anos, por grandes dificuldades e que estão aqui para dizer que é preciso olhar para o futuro, ir adiante, construir novas possibilidades.

Nós estamos aqui para dizer que queremos, coletivamente, com esse título, construir novas possibilidades, possibilidades que vão do empreendedor particular - do pequeno dono de livraria, do dono de um “sebo” - até as instituições públicas.

Eu tenho certeza de que nós teremos, nessa caminhada, muitas parcerias. Temos aqui a presença do Irmão Avelino, da PUC, uma instituição que contribuiu, que está contribuindo e contribuirá muito mais, como dissemos dias atrás, numa homenagem aos seus cinqüenta anos.

Eu tenho certeza, Márcia, de que, pela Secretaria Municipal de Cultura, pela Prefeitura, o empenho está sendo feito. Pelo que estás ouvindo aqui, nesta tarde - tu sabes tão bem quanto nós, mas é preciso marcar -, verás que é preciso fazer muito mais ainda pelo nosso povo, para que o nosso povo possa ingressar no próximo milênio com mais esperança e com maiores possibilidades de engrandecimento pessoal.

Roque, tenho certeza de que agora, quando se inicia um novo governo, em que o meu partido está envolvido, nós teremos na sua pessoa no Conselho, com outros, uma grande parceria para novas investidas e novos caminhos na área cultural.

Minha cara Professora Tânia, pelo que eu a conheço, pelos momentos instigantes que tive em sala de aula, por seus ensinamentos, tenho certeza de que a sua presença é mais um daqueles momentos para dizer que é preciso caminhar, caminhar muito, como o Júlio caminhou, fora de Porto Alegre mas com seus olhos voltados para a nossa cultura, a cultura de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul.

Agora sei que o Júlio, inclusive, sobe a Serra para novos empreendimentos, mas sei que seus olhos e seu coração estão sempre voltados para a Capital de todos nós, a Capital dos gaúchos, que é Porto Alegre.

Por isso, nesta tarde, estou muito feliz em ter sido o proponente desta homenagem. Tenho certeza de que sairemos daqui muito mais empenhados em construir os caminhos, como o Júlio construiu nestes últimos anos, abrindo-nos novas possibilidades e certamente não estará sozinho nas novas empreitadas do futuro, assim como tenho certeza absoluta de que estaremos muitas e muitas vezes juntos, empenhados em defender a cultura do nosso povo e novos horizontes para o próximo milênio. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Antonio Hohlfeldt, pelo PSDB.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: (Saúda os componentes da Mesa.) Pode ser pretensão de que quando todas as Bancadas desta Casa delegaram ao Ver. Adeli Sell a incumbência de falar, a Bancada do PSDB tenha preferido fazer o seu próprio discurso. No entanto, aqui não fala apenas o Vereador, Líder da Bancada do PSDB, mas, sobretudo, o jornalista e a pessoa que conviveu, ao longo de quase trinta anos, - se não entregar a idade do Zanotta para todos -, exatamente dentro da perspectiva que o Zanotta desenvolveu na Cidade de Porto Alegre.

E se o Ver. Adeli Sell fez o que se poderia dizer de discurso oficioso, vou-me permitir fazer o discurso marginal.

Fico imaginando o Júlio sentado, agora, ouvindo discursos, daqui a pouco recebendo diploma e homenagem, recordando um período no qual, há algum tempo, o Ver. Pedro Américo Leal acabava encontrando uma passagem num livro sobre a "Terreira da Tribo", quando havia uma ordem de prisão contra o Júlio, porque ele era um perigo à sociedade de Porto Alegre. O Júlio, na direção de um grupo de teatro, que mais tarde seria famoso, nesta Cidade, que é o "Ói nóis aqui traveiz", tinha o topete e a coragem de alugar um pequeno espaço na Ramiro Barcelos, entre a Cristóvão Colombo e a Farrapos, e ali encenar alguns espetáculos altamente subversivos e altamente perigosos à famosa moral familiar de Porto Alegre; eram os anos 60, período muito complicado.

O Júlio tinha a coragem de publicar uma série de autores dos quais, na maioria dos casos, os censores nunca ouviram falar, mas os quais sabiam serem perigosos. Lembro-me do Jarry, dentre outros, o próprio Garcia Lorca, e lembro-me, enfim, dos textos do Júlio Zanotta Vieira, que provavelmente eram os mais perigosos e que, se dependesse dos censores de plantão, tinham mandado o Júlio para a cadeia e o escondido bem fundo para que não tivesse possibilidade de sair dali.

É esse homem que estamos homenageando com o título de Cidadão de Porto Alegre. O Júlio é tipicamente da geração dos anos 60, da geração que pagou um preço de uma ditadura Pós-64, de um homem que teve que deixar, muitas vezes, a sua cidade natal, deixar o seu Estado e deixar o seu País, para sobreviver, não apenas financeira e economicamente, mas para não baixar a cabeça e dizer "amém" àqueles que, ocasionalmente, mandavam.

Os tempos passaram, o País volta a experimentar a democracia e, felizmente, a democracia tem essa coisa de bonito: quem em algum momento foi perseguido, em outro momento é resgatado e chega até mesmo a ser homenageado, como esta Casa o faz hoje, em nome da Cidade de Porto Alegre. Já se disse aqui, o Ver. Adeli Sell lembrava, junto com o Ver. Isaac Ainhorn, que o Júlio fez literatura, fez teatro, fez música, acabou se envolvendo no comércio livreiro, viajou por terras muito perigosas, naquela época, porque também traziam outras matérias perigosas, como do Peru, da Bolívia e coisas assim, e depois voltou, "caiu de pára-quedas" novamente em Porto Alegre e retomou uma série de atividades, e a partir daí tem-se notabilizado como uma liderança que nós já conhecíamos nos anos 60, mas que teve melhor oportunidade de se expressar e de comandar, a partir dos anos 80.

Culminou nas experiências das Feiras de Livros, quando ele foi Presidente da Câmara Rio-grandense do Livro, Feiras de Livros que tiveram a coragem de mexer naquilo que já era institucionalizado, que, de uma certa maneira, já tinha uma imagem junto ao público de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Como sabemos, somos tão conservadores e arraigados a essas coisas tradicionais, e não gostamos de mexer nelas, mas o Júlio teve a coragem de mudar um pouco a cara da Feira, só não teve a coragem de tirar o sineiro porque, evidentemente, a coisa iria ficar mais perigosa. Mas, de qualquer maneira, teve a coragem de mudar um pouco a Feira do Livro, de modernizá-la, de trazer novas revelações a ela. Talvez, por isso, hoje, encontramos aqui pessoas de segmentos diferentes na homenagem ao Júlio.

O Júlio, como tantos de nós, nos anos 60 e 70, ousamos manter a cabeça levantada, ousamos continuar pensando com a nossa cabeça e, sobretudo, ousamos continuar vivendo e sabendo que aqueles que nos proibiam não iriam durar para sempre e que nós, um dia, estaríamos novamente no nosso espaço, no nosso tempo, podendo fazer aquilo que havíamos sonhado. Eu acho que a homenagem que Porto Alegre faz a ti, Júlio, é, sobretudo, a homenagem das utopias que temos que guardar, temos que brigar e temos que saber transformar, na hora certa, em ações. Isso tu conseguiste fazer e é por isso a nossa homenagem.

Por esse, e tantos outros, motivos, eu não queria deixar de trazer essa mensagem, que é de meus companheiros do PSDB, a Ver.ª Anamaria Negroni, o Ver. Cláudio Sebenelo e, muito particularmente, minha, já que acompanhei o Júlio no dia-a-dia e, muitas vezes, nas páginas do Correio do Povo tive que, entre uma notícia e outra, enfiar um contrabandozinho de uma nota em torno do Grupo do Júlio Zanotta Vieira, porque também o velho Breno Caldas não tinha muita simpatia pelos espetáculos que o Júlio teimava em montar e eu teimava em registrar e comentar depois com ares de seriedade. Venceu o Júlio, com toda certeza, e, por conseqüência, vencemos todos nós. Meus parabéns, Júlio. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Antes de passarmos ao momento seguinte desta homenagem, queremos saudar também, além das figuras de todos os senhores que se fazem presentes, dos Vereadores que fizeram uso da palavra, o Vereador em exercício Carlos Frederico Matzenbacher, que está presente; os familiares do Júlio: a Dona Maria Teresa Zanotta, mãe do Júlio; a Sra. Patrícia Vieira, esposa; a Maira Vieira e, também, a Júlia Vieira, filhas que registram com as suas presenças, o desenrolar desta Sessão Solene. Vai constar dos Anais da Câmara Municipal. Certamente, no momento em que alguém resolver fazer alguma pesquisa vai encontrar, de repente, os registros da presença de V. S.as, neste momento tão especial.

Queremos saudar os Senhores Livreiros, aqui presentes, o Senhor La Porta, a nossa figura ilustre, o nosso sineiro-mor, e tantos outros que nos honram com as suas presenças.

Neste momento, convidamos o Ver. Adeli Sell para fazer a entrega do Título ao Homenageado e também a representante do Sr. Prefeito, da Secretaria Municipal de Cultura, para fazer a entrega da Medalha. Convidamos todos os presentes para, em pé, assistir a entrega do Título e da Medalha.

 

(É feita a entrega do Título e da Medalha.) (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE: Está com a palavra o Sr. Júlio Vieira Zanotta, o nosso novo Cidadão de Porto alegre.

 

O SR. JÚLIO VIEIRA ZANOTTA: (Cumprimenta os componentes da Mesa.) Sintam-se todos ligados a este agradecimento de algo que para mim, não vou dizer que tenha sido inusitado na medida em que acompanhei outros amigos que receberam essa honraria e também da minha geração que foram o Fulguetti, o Roqueiro do IAPI com quem tive algumas passagens em comum. Mas, gostaria de deixar registrado o que Porto Alegre significa para mim e, de que maneira eu posso ter contribuído para o desenvolvimento cultural da Cidade.

Recordo-me, sempre, da primeira imagem que tive de Porto Alegre, no final dos anos 50, quando para cá viajei com meu pai vindo de Pelotas. A estrada estava em construção. Saímos de manhã de Pelotas e chegamos em Porto Alegre à noite. A ponte Getúlio Vargas ainda não estava concluída e nós tivemos que esperar a barca que ficava perto, hoje, do Cristal. Porto Alegre ficava do outro lado do rio e tinha a impressão de que era uma bocarra negra, ameaçadora e que provavelmente iria me devorar. Essa era a sensação que eu tinha naquele momento e foi com essa sensação que entrei em Porto Alegre procurando as casas dos parentes.

Ao longo desses anos eu comprovo que Porto Alegre realmente me devorou. Acredito que as palavras dos Vereadores Antonio Hohlfeldt e Adeli Sell tenham sinalizado dois campos de atuação na área cultural em que estive mais integrado. Um vamos chamar de cultura paralela ou alternativa dos anos 60, 70 e o outro seria a cultura oficial. Dentro dessa área que podemos chamar de cultura alternativa, no teatro, “Ói Nóis Aqui Travéiz”; o “Teatro Um”, foram momentos de grande desafio. Nós, com uma certa ingenuidade, ousávamos e fazíamos espetáculos anárquico-selvagens; em algumas peças atirávamos carne, leite, nas pessoas, vinha a polícia, fechava o teatro, era uma confusão tremenda. Não havia retorno financeiro, mas encontrávamos maneiras para viabilizar recursos para a nossa agitação cultural. Editávamos folhetos, editávamos autores e vendíamos nos restaurantes.

Em uma ocasião, já passado alguns anos, a Zorávia Betiol nos fez um pôster que nós vendíamos na porta dos espetáculos, nos bares, enfim. Alguns folhetos se tornaram best-sellers, chegaram a vender três mil exemplares. Saía aquele grupo de atores e atrizes depois do espetáculo e havia alguns bares que vendiam mais. Essa geração se reunia no Bom Fim, do Isaac Ainhorn; no Bom Fim a noite começava e terminava. Aquilo foi um aprendizado, uma certa universidade informal. Mas, Porto Alegre cobra caro, como toda a grande paixão, ela exige o seu bocado. Creio que todos nós, em certa medida, pagamos por isso. Penso que poucos conseguiram superar esse hiato, esse fosso, que se considerava haver entre o que se chama, hoje, cultura alternativa e cultura oficial. Uma diferença que até não sinto mais, porque no momento em que me integrei a isso que chamamos cultura oficial, primeiramente estabelecendo um comércio do ramo livreiro, depois assumindo a presidência da Câmara do Livro, contribuindo para a modernização da Feira, dei-me conta que o impulso é o mesmo e que o impulso que havia naqueles jovens anárquicos, que tentavam abrir um canal próprio de expressão.

Esse impulso é o mesmo que encontrei nas pessoas participantes da chamada cultura oficial, pessoas como Roque Jacob, como a Prof.ª Tânia Carvalhal, pessoas que realmente têm o mesmo impulso e que encontram, nos aparelhos culturais já estabelecidos, uma nova motivação para se expressar. Se houve alguma participação minha para a cultura porto-alegrense, foi eu ter estado nestes dois momentos, e não só tentando novas possibilidades, como disse o Ver. Adeli Sell, mas, principalmente, tentando capturar uma possibilidade.

Essa mesma tentativa em capturar uma possibilidade foi o que fez com que, em alguns momentos, eu deixasse Porto Alegre, porque, como disse o Ver. Antonio Hohlfeldt, a situação ficava complicada! Principalmente na questão teatral. Nós fizemos um trabalho muito provocativo e era bom para a nossa “saúde” nós darmos uma “voltinha”. Houve momentos difíceis. Momentos de perseguição. Lembro-me quando passei três dias sendo cassado pela Polícia Federal por causa de uma peça que se chamava "As Cinzas do General". Tinham invadido e depredado o teatro. A pessoa que sempre sofria muito com essas loucuras era a minha mãe, porque ela sempre era a fiadora dos empreendimentos. Lembro-me que uma vez fecharam o teatro e depois de uma longa luta para reabri-lo, deu um temporal e desabou o teto! Enfim, a minha mãe sempre agüentava a procissão de cobradores.

Essa necessidade de me afastar da Cidade tem sido um movimento pendular. Neste momento, eu me encontro em uma fase em que senti necessidade de deixar Porto Alegre, principalmente depois da morte do Caio Fernando Abreu. Para mim, ver o Caio morto no caixão, ele que foi o símbolo de uma geração, foi muito difícil. Eu compreendi que a minha geração tinha encontrado a sua data limite. Os historiadores gostam muito de datar períodos. Então, eu acho que esse período da cultura alternativa em Porto Alegre encerra com a morte do Caio.

Compreendi que o que eu tinha para fazer aqui estava feito e que eu necessitava tomar novos ares. Então, eu subi a Serra e estou, atualmente, estabelecido em Canela. Lá, encontrei uma outra possibilidade para capturar, encontrei um trem caindo aos pedaços, que pedia uma restauração e pessoas extremamente interessantes e cheias de vontade de produzir cultura. Com o apoio dessas pessoas e da comunidade canelense estamos, agora, restaurando a antiga viação férrea, - uma parte dela -, e colocando um projeto cultural neste trem. Ou seja: para quem andou uma parte fora dos trilhos, terminamos nos trilhos. E "terminamos" não é bem a palavra, porque na verdade é sempre uma continuidade.

O meu registro seria este, sempre o impulso por capturar a possibilidade, e Porto Alegre é riquíssima em possibilidades, em todos os sentidos. É uma cidade realmente complexa, e provoca em nós, às vezes, uma relação de amor e ódio.

Agradeço a todos pela presença. Cada uma das pessoas aqui presente significa muito para mim, cada um com tem um significado especial. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A manifestação do Júlio certamente mexe com todos nós. A história dele - como bem definiu - é o momento, tem cenário na nossa Porto Alegre, e é um período subseqüente ao meu. A sua manifestação, a história da cidade mexeu muito comigo, porque quando eu estava saindo do Júlio de Castilhos, ele estava entrando. E não acredito quando o Júlio diz que, de repente, ele vai se tornar um jovem bem comportado. Ele está neste novo empreendimento, o que revela uma visão também empresarial dos livreiros. E fazemos votos que os livreiros sobretudo tenham esta visão empresarial, que possam fazer do nosso Rio Grande um grande movimento cultural, que se expressa no movimento editorial.

Este trabalho, lá em Canela, vai ser uma continuidade disso que o Júlio vem fazendo. Tudo o que eu estou dizendo, o Jesus certifica e dá fé, porque ele é uma testemunha permanente de tudo o que se faz em Porto Alegre nos 12 meses do ano - ele não se afasta de Porto Alegre, a não ser em curtos espaços, e fica aqui também sobretudo no verão, quando Porto Alegre fica mais habitável. Acho muito importante para esta Casa o dia de hoje, a outorga do título, a manifestação do homenageado e a presença de todos aqui.

Registramos a presença do Ver. João Dib, decano dos Vereadores. Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Mais uma vez agradecendo a presença de todos, damos por encerrados os trabalhos da presente Sessão Solene.

 

(Encerra-se a Sessão às 16h11min.)

 

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